O Império de Henrique II
Em 1150, o pai de João Sem Terra, Henrique II, era rei de um dos impérios mais vastos da Europa Ocidental. Ele controlava diretamente sete grandes territórios: a Inglaterra, Normandia, Anjou, Maine, Touraine, Aquitânia (com Poitou e Gasconha) — herdada ao se casar com Leonor da Aquitânia — e ainda assumia o título de Senhor da Irlanda, nomeado pelo Papa. Indiretamente, mantinha também influência sobre a Bretanha e fez a Escócia se tornar vassala temporária. Seu domínio era tão extenso que superava o do próprio rei da França.
A Transição de Poder: De Henrique a Ricardo
Henrique II chegou a coroar em vida seu filho mais velho, Henrique, o Jovem, como sucessor. Mas esse filho morreu antes do pai. Quando Henrique II morreu, o trono passou para seu outro filho, Ricardo Coração de Leão, guerreiro feroz e obcecado por cruzadas. Seu amor pelas batalhas o afastou da administração interna do reino. Enquanto guerreava no Oriente, os franceses aproveitaram sua ausência para contestar o domínio inglês sobre várias regiões. Após seu retorno, Ricardo teve que lidar com revoltas locais e pressões militares do rei Filipe II da França, que buscava recuperar territórios franceses sob domínio inglês, como a Normandia. Assim, o império continental herdado de Henrique II começou a se fragmentar, enfraquecendo a posição política e militar da coroa inglesa.
Ricardo morreu em 1199, após ser atingido por um disparo de besta feito por um jovem soldado durante o cerco de um castelo em Châlus, na França. No leito de morte, Ricardo perdoou o jovem. No entanto, segundo algumas fontes, João Sem Terra ignorou esse perdão e provavelmente mandou executar o rapaz, embora não haja evidência documental definitiva, sendo esse um ponto ainda debatido entre historiadores.
A Disputa Sucessória: João vs. Arthur
A sucessão foi disputada entre João e o jovem Arthur da Bretanha, filho de seu irmão falecido, Godofredo, e portanto sobrinho de João. Arthur recebeu apoio da França, enquanto João contou com a nobreza inglesa e se fez coroar rei. Em 1202, durante uma campanha militar, João capturou Arthur após a Batalha de Mirebeau. O jovem foi aprisionado no castelo de Rouen, onde desapareceu em circunstâncias obscuras. Fontes contemporâneas sugerem que João pessoalmente ordenou sua morte, possivelmente por afogamento ou assassinato direto para eliminar a ameaça à sua autoridade. O desaparecimento de Arthur gerou escândalo internacional e agravou o colapso da legitimidade de João perante a nobreza continental.
O Reinado de João: Autoritarismo e Derrotas
Já como rei, João foi consumido pela obsessão de recuperar os territórios franceses perdidos, alegando que era sua herança legítima. Ignorando os costumes políticos da Inglaterra, onde decisões desse porte exigiam o consentimento da nobreza. João travou guerras desastrosas, caras e infrutíferas. Sem vitórias, mas com dívidas, passou a cobrar impostos cada vez mais pesados, confiscar terras e impor sua autoridade sem diálogo.
Seu estilo de governo era autoritário: desrespeitava acordos, prendia nobres sem julgamento e retaliava opositores com dureza. Existem acusações sobre abusos morais e políticos, incluindo relatos de que João teria usado seu poder para se envolver sexualmente com esposas ou filhas de barões como forma de humilhação política. No entanto, esses relatos são controversos e considerados por muitos historiadores como parte da propaganda negativa que surgiu após sua morte, carecendo de provas documentais confiáveis. O apelido “Sem Terra” se refere originalmente ao fato de que, como filho mais novo, ele não herdou domínios significativos à época da partilha familiar.
A Guerra Civil: Rebelião e a Magna Carta
A guerra civil começou a se desenhar quando João intensificou a cobrança de impostos sem o consentimento dos barões, confiscando propriedades e punindo nobres sem processo legal. Além disso, ele violava direitos feudais tradicionais, como heranças, casamentos e sucessões, enfraquecendo deliberadamente o poder da aristocracia. A tensão aumentou após sua reconciliação com o Papa em 1213, pois os barões passaram a temer que João, agora com apoio papal, governasse com ainda mais autoritarismo e sem limites. Essa série de abusos e a perda contínua de territórios no continente convenceram os barões de que João não podia mais governar.
Em 1215, os barões rebelados formaram uma aliança armada e apresentaram uma lista de exigências ao rei. Como João se recusou a atendê-las, os barões tomaram Londres sem resistência, o que demonstrou o colapso do apoio político do rei. Em 1215, os barões rebelados formaram uma aliança armada e apresentaram uma lista de exigências ao rei.
Diante do cerco político e militar, João foi forçado a negociar. O resultado dessas negociações foi a assinatura da Magna Carta em junho de 1215, em Runnymede. O documento estabelecia que o rei não poderia mais impor tributos sem o consentimento dos barões, garantiria o direito a julgamento justo e limitava o poder real em diversas áreas.
Contudo, João não tinha a intenção de cumprir o acordo. Pouco tempo depois, conseguiu que o Papa Inocêncio III anulasse a Magna Carta, declarando-a inválida. Isso reacendeu o conflito e levou ao início formal da Primeira Guerra dos Barões. Os barões, sentindo-se traídos, buscaram apoio externo e convidaram o príncipe Luís da França, filho do rei Filipe II, a reivindicar o trono da Inglaterra. Há também especulações sobre o envolvimento dos Cavaleiros Templários, que teriam simpatizado com a causa dos barões, principalmente devido à oposição de João à Igreja e à sua política autoritária. Contudo, não há registros históricos sólidos que confirmem uma participação direta e organizada dos Templários nesse conflito, sendo essa hipótese sustentada mais por tradições e interpretações posteriores do que por evidências documentais. Luís desembarcou com tropas em 1216 e foi aclamado rei por parte dos nobres ingleses, embora nunca coroado oficialmente.
Em paralelo, João entrou em conflito direto com a Igreja Católica ao se recusar a aceitar a nomeação do cardeal Stephen Langton como arcebispo da Cantuária, a principal autoridade eclesiástica da Inglaterra. Esse cargo não apenas liderava a Igreja inglesa, mas também tinha grande influência política, funcionando como elo entre a coroa e Roma, e participando ativamente dos conselhos reais. Tradicionalmente, os reis ingleses influenciavam ou aprovavam a escolha para essa posição, como forma de garantir alinhamento político. Quando o Papa Inocêncio III nomeou Langton unilateralmente, sem consultar João, este interpretou a decisão como uma afronta direta à sua soberania e recusou-se a reconhecê-lo. Como resposta, o Papa excomungou João e colocou a Inglaterra sob interdito papal, suspendendo todos os sacramentos no país por vários anos.
O Fim de João e o Legado da Carta
Mesmo após assinar, João tentou anular o acordo, e surpreendentemente contou com o apoio do Papa Inocêncio III. Isso ocorreu porque, apesar dos conflitos anteriores entre João e o papado, eles haviam se reconciliado em 1213, quando João aceitou Stephen Langton como arcebispo e submeteu o reino da Inglaterra como feudo papal. Em troca, o Papa se tornou seu aliado político. Inocêncio III declarou a Magna Carta inválida, argumentando que ela havia sido imposta sob coação. Contudo, João morreu no ano seguinte, em 1216, de desenteria, em meio à guerra civil. Sua morte não gerou luto, apenas alívio em muitos setores da nobreza. Foi um fracasso como líder, mas paradoxalmente, seu reinado deu origem a um dos documentos mais importantes da história: a Magna Carta — a semente do constitucionalismo moderno.